O Homem que se foi...a voar

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Desconfio que foste sempre muito melhor do que eu a voar. Lembro-me de ser pequeno e de voar contigo pela Formosa. Adorava aterrar naqueles lodos e enterrar-me até aos joelhos. Depois com aquela enxada… ficávamos pretos mas lá se apanhava o casulo necessário para a pescaria da noite. Doutras vezes o voo era pelas terras do Sr. Manuel (já falei dele aqui). Gostávamos da ribeira, daquela intrigante Casa Branca, contavas-me as histórias de D. Fuas Roupinho. Ás vezes o voo levava-nos á Bemposta. Ainda hoje não tenho a certeza, se uma vez vi ou não um cavalo selvagem no caminho, tal era a fantasia em que conseguias envolver qualquer momento.
Nunca te despediste de mim. Quando me avisaram que estavas pronto para o último voo apressei-me. Quando cheguei ainda lá estavas mas já não falaste comigo. Nesse dia prometi que te manteria por cá até que me fosse possível. Como já escrevi um dia (citando), “um homem vive enquanto alguém se lembrar do seu nome”. Tomei essa como uma das minhas missões. Por isso resolvi deixar aqui algumas histórias dos teus voos. Hoje, no dia em que cumpririas o teu 68º aniversário.

"Voguei na crista da onda
Resisti ao temporal
Dia e noite passei ronda
Aos vultos do areal

Numa busca delirante
Até remei ás avessas
Da nascente até juzante
Fiz sei lá quantas promessas"

(Rio, JC, s/d)

"As mantas de letargia
Buscam-se ao anoitecer
Quando um sonho se extravia
Ninguém sabe onde vai ter"

"Percorri uma longa estrada
De um passado turbulento
Feito de tudo … de nada
E de coisas que eu invento"

"Fiz amor com a loucura
Sem olhar a preconceitos
E até enchi de amargura
Princesas de grandes feitos

Perfume de muitas cores
Tem o vinho dos meus sonhos
Que eu só faço com as flores
De alguns jardins mais risonhos"

(Viagens, JC, 1986)

"Deitei-me e adormeci
Pus-me lá num segundo
Nas rochas de lá esculpi
Desejos do outro mundo

Tive um sonho de saudade
Que quero voltar a ter
Jurei guardar castidade
A qualquer anoitecer"

(Viagem Nocturna, JC, s/d)

"Eu sou aquele
Que ás portas da loucura
Não para de gritar
Bebam!
Bebam ternura
E parem de chorar"

(Aquele, JC, 2003)

A propósito, ias adorar ver isto.

1 comentários:

Anónimo disse...

Bonito...

É o que me apetece dizer, li e revi-me na leitura que fiz. Talvez por isso comente o que apenas vinha para ler, talvez por sentir o que li como se fosse eu a escrever.

Também o poderia ter escrito, mas endereçado a uma mulher que também foi a voar e que em 25 de Agosto deste ano também faria 68 Anos. A foto que colocaria no fim, seria de um menino de 4 anos ao lado de uma menina de quase 2, que não tiveram a sorte de a conhecer.

Saudade...

Histórias cruzadas.

Reiman