Portugal de há 50/60 anos era bem diferente do de hoje. Não havia internet e portanto eu não poderia escrever esta história aqui. Mas não haviam muitas outras coisas. Outras por sua vez, nunca mudaram. Por essa altura os filhos dos nossos avós, não recebiam o tratamento que nós concedemos aos nossos filhos nem tão pouco o tratatmento que os nossos pais nos deram. Todos sabemos que deve ter sido bem diferente. Pois bem, esta é uma história bem simples do quotidiano de um português típico no final dos anos 40 (no pós-guerra, portanto). Era 9.30 da noite. A aldeia preparava-se para adormecer. Na verdade quase toda a aldeia. O Sr. Manuel preparava a sua junta de vacas, a Morena da direita, sempre dourada e a Mourisca, a da esquerda, sempre mais escura - religiosamente as vacas eram compradas com este critério e ensinadas a trabalhar á esquerda ou á direita consoante a sua coloração. Tinha um carregamento para entregar numa cidade a 40 km, o dinheiro era precioso, já naquele tempo e a noite era um tempo que havia que aproveitar. Preparava-se para partir. O seu primogénito estava de férias da escola, havia passado para a 3ª classe com muito boas informações da professora. Era a companhia ideal para a viagem. Preparavam-se os dois para partir. Haveriam de viajar umas três horas até uma quinta que ficava no caminho. Aí pernoitariam num local abrigado que encontrassem. Diziam as lendas que os kilómetros seguintes eram perigosos pois um perigoso bandido, Dom Fuas Roupinho, costumava vaguear por aquelas bandas.Partiram, sentados na carroça, com o Sr. Manuel ao comando. A junta seguia os trilhos iluminados apenas pelas estrelas, virando á esquerda ou á direita sempre por resposta á voz do comandante: "xó Morena"! E o conjunto deslocava-se para a direita desviando-se daquele afloramento granítico que se atravessava na quelha. Passadas algumas horas, chegaram enfim ao local escolhido para pernoitar. Estenderam as mantas, acenderam o lume e o Sr. Manuel contava ao filho histórias de lobos num tom ternurento, raro, que a vida dura não lhe permitia esses desvarios muitas vezes. Eis que nesse momento, vindos do nada três enormes lobos se aproximam do local. Seguiram-se momentos de grande tensão. Os lobos obviamente estavam mais interessados na junta de vacas do que no Sr. Manuel e no seu filho. Aquele cabia proteger o menino mas também a junta, afinal tratava-se do seu ganha pão. Os lobos e o homem trocaram olhares receosos. Ele pegou no seu machado na esperança de poder conter qualquer investida dos animais. Eles rondaram o local, uma e outra vez, sempre a uma distância segura. Por fim afastaram-se. O menino assustado acabaria por adormecer algum tempo depois vencido pelo cansaço. O Sr. Manuel, esse, passaria a noite toda com um olho aberto e outro fechado, não fossem os lobos voltar. No dia seguinte prosseguiriam a jornada. O menino não mais voltaria a ver lobos. Daí a 2 anos iria para a cidade, aprender um ofício que a vida do campo não era o desejo dos seus pais. O Sr. Manuel esse contiuaria a sua vida. Hoje um chão para lavrar, amanhã uma carga de palha para transportar. Por muitos anos foi assim. Portugal era bem diferente nesse tempo.
45 rotações (XVII)
Há 4 meses
0 comentários:
Enviar um comentário