Estética Fúnebre

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Já que o lucubre está a marcar o estilo da coisa, falemos de estética fúnebre. É um tema pouco debatido, basicamente porque temos receio dele, fica-se mais perto da morte e isso assusta. Falar sobre decorações funebres é também considerado um acto de mau gosto, daí não ser de espantar o mau gosto global dos nossos cemitérios. É evidente que ninguém diz nada, ninguém comenta que a campa de A tem imenso estilo e que a lápide de B é muito vulgar, ...Como os defuntos habitantes aceitam todo o tipo de ornamentos sem um murmúrio que seja, torna-se um tema de fraca discussão.

Correndo o risco de ser criticada, eu diria que aos falecidos não é dada paz ao nível estético e que a dignidade, discrecção e bom gosto da morte deixam cada vez mais a desejar face aos ornamentos, berloques e pequenos gadgets funerários que se podem encontrar por essas campas fora. As lojas dos chineses, com o seu habitual sentido de oportunidade, são um dos melhores fornecedores a este nível. Velas que não se apagam, anjos a pilhas, corações catrapiscantes e flores tão lindas que até parecem de plástico (as artificiais são agora aconselhadas pelos movimentos ecológicos), cruzes com leds e santinhas fluorescentes contaminam as campas, a dignidade e a elegância sóbria que deveria caracterizar o sítio. Aplacam-se os defuntos como se faz tudo o resto: de forma quantitativa e consumista, cedendo às pressões do modelo mais recente e à inveja da campa da vizinha. Tratam-se as campas como se fossem as casinhas dos mortos, com naperons e paninhos do pó e bibelots. É uma brincadeira num Portugal dos Pequeninos funerário onde falecidos e falecidas são tratados como monos ou miúdos amuados sem vontade de brincar. Sem dignidade e sem espírito de homenagem. Sem respeito e sem reflexão. Ostentatória para os vivos e esvaziada para os mortos. Até há cemitérios virtuais para.... não sei para quê.

Penso que a morte merece mais: há uma paz, um silêncio, uma sobriedade, um monocromatismo a manter. Há uma distância entre vivos e mortos que deve ser respeitada. Temos de aceitar o estado de perfeição e plenitude dos que cumpriram o ciclo e rendermo-nos a essa perfeição e contemplá-la. Rendermo-nos à nossa menoridade e não perturbar o regresso ao pó sereno, a calma fusão dos carbonos, a tranquilidade da terra, doce descanso, paz eterna. Há um Requiem em formato acústico que tem ser ouvido porque a lingua dos mortos não tem palavras. Há um despojamento para ser praticado, para ficarmos mais perto do nada. Um pensamento em silêncio, sem ninguém saber, mais que merecida homenagem, a mais verdadeira de todas. É aqui que reside a beleza da morte. É esta a estética funebre que aprecio.

0 comentários: